Traiçoeira, venenosa, perigosa, peçonhenta… Estes são alguns dos atributos que ouvimos sobre as cobras. Morro de medo de cobras! São vistas como seres malignos como, por exemplo, na Bíblia quando Eva morde a maçã e renuncia ao paraíso influenciada pela serpente, disfarçada de Satã. A partir daí, na cultura ocidental, a serpente indica o pecado, um animal traidor, calculista, do submundo associado ao demônio.[1] Mas, nem sempre a serpente foi vista dessa forma, pelo contrário, em diversas culturas já foi identificada como um ser mágico, representando o rejuvenescimento, a renovação, a vida, a eternidade e a sabedoria.
Na meso-América, entre os povos pré-colombianos especialmente para os astecas, a serpente desempenhava um papel importante na religião. A imagem de Quetzálcoatl, divindade mais importante relacionada à água, vida e renovação é representada por uma serpente com penas. Além disso, representa a energia e a força.[2] A troca de pele da serpente a cada ano era associada ao renascimento e à transformação. Seu comportamento de deslizar com facilidade entre a copa das árvores, no solo e na água era visto como um sinal de sua natureza divina, pois só um deus podia mover-se entre a terra, a água e o céu.[3]
Com a chegada dos conquistadores espanhóis as crenças nativas foram combatidas e seus artefatos destruídos, para retirada do ouro e da prata. Poucos chegaram até os nossos dias. Nessa época, reinava Montezuma 2º, senhor de um império que se estendia do Oceano Pacífico ao Golfo do México. Era considerado um semideus por seus súditos. Seu reinado foi o último do império asteca, pois ruiu diante dos invasores espanhóis. [4]
Data dessa época um artefato que se encontra no museu britânico, a serpente de Duas Cabeças, considerada obra-prima do mosaico asteca. Era um ornamento peitoral usado, possivelmente, em ocasiões cerimoniais por um chefe religioso ou político. A peça foi esculpida em madeira e recoberta com mosaico de turquesa colada com resina de pinho.[5]
A produção artística está entre as principais riquezas deixadas pelas civilizações americanas que antecederam à chegada de Cristóvão Colombo. Além de conhecer a astronomia e dominar a manipulação dos metais, a cultura pré-colombiana destacava-se ainda na arquitetura e na arte, inclusive com a aplicação de técnicas de mosaico.[6] A serpente de Duas Cabeças, por exemplo, mostra que o artesão asteca escolheu com cuidado cada minúscula pedra de turquesa selecionando tonalidades mais escuras para o centro do corpo, ajustando com precisão e ainda respeitando a simetria para que cada lado ficasse exatamente igual.[7]
Conhecer essas aparentes curiosidades do passado, além de ampliar e enriquecer a cultura, possibilita abrir o nosso olhar, ver além. Enxergar o que não foi possível aos espanhóis do século XVI, aceitar a diversidade cultural como algo positivo e não como ameaça. Muitas culturas foram assim destruídas. Hoje, não faltam informações que demonstram o quanto é danoso ter um olhar excludente. Podemos dizer que já passou da hora as sociedades e indivíduos aceitarem as diferenças como algo a ser respeitado. E, é sempre bom lembrar que existem serpentes azuis em todo lugar e que elas, segundo as crenças antigas, podem ser mágicas!
[1] http://www.dicionariodesimbolos.com.br/serpente.
[2] Ibidem
[3] http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/mosaicos-astecas-turquesa/ – Blog: Ensinar História – Joelza Ester Domingues
[4] http://www.bbc.co.uk/portuguese/lg/ciencia
[5] http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/mosaicos-astecas-turquesa/ – Blog: Ensinar História – Joelza Ester Domingues
[6] http://www.mosaiconarede.com.br/
[7] http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/mosaicos-astecas-turquesa/ – Blog: Ensinar História – Joelza Ester Domingues
Foto: Serpente de duas cabeças, asteca, séc. XV-XVI, proveniente do México, 20,5 cm de altura x 43,3 cm de comprimento, Museu Britânico